Deslocalização<br>e emprego total (global)

Francisco Silva
Não, não vou argumentar hoje a contradição que parece (?) existir entre, por um lado, a famosa crise demográfica europeia - e portuguesa, claro -, com a população a decrescer, a decrescer, com as correlativas propostas de aumento de idades de reforma, de diminuição de pensões, de os pensionistas pagarem mais e mais em cuidados de saúde, etc, e, por outro lado, o desemprego «provocado» acima de tudo(?) pela deslocalização dos postos de trabalho, devida tanto aos altos salários cá da gente como ao regime de escravatura da mão de obra na China - a deslocalização para os outros países não seria maléfica mas benéfica, presume-se; não, não vou por aí, pelo menos por agora. Ou hoje não vou por aí.
Quero antes ir pela via do impacto do crescimento económico de certas áreas do Globo, imensas em termos populacionais, no conjunto da economia mundial. Já estarão a acertar, A China, aquilo é uma obsessão tal… Ok, considerem que a Índia também faz parte, Boa, dirão alguns, já lhe é obrigatório não ignorar a maior de Democracia do mundo. Uff! Eu sei que há muitos suspiros destes, para além de saber também que as forças de esquerda não são assim tão pequenas no subcontinente indiano. Mas neste argumentar não quero introduzir de forma explícita questões deste tipo.
Por onde eu quero mesmo pegar, agora que já passou algum tempo sobre a sua realização, agora que podemos reflectir um pouco mais a frio sobre a informação então disponibilizada, é pelas pontas do último conciliábulo de Davos, na Suiça, onde anualmente se reúne a fina-flor dos poderes económico e político da Terra. Realizado em Janeiro passado, dele tendo emergido preocupações sobre o emprego, apresto-me também a comentar sobre a matéria.
Por exemplo - e transcrevo do (27 de Ja­neiro de 2007 -, foi re­fe­rido que em termos de grandes nú­meros são os ga­nhos de pro­du­ti­vi­dade que des­troem a maior parte dos em­pregos, e não a des­lo­ca­li­zação. Esta também des­trói em­prego aqui, re­cri­ando-o acolá, pro­vo­cando toda uma série de dramas, em par­ti­cular em Por­tugal - digo eu; mas a re­a­li­dade crua do fe­nó­meno da des­truição de em­prego é de­vida aos au­mentos de pro­du­ti­vi­dade, às ino­va­ções de pro­cesso, tão li­gadas aos im­pactos ci­en­tí­ficos & tec­no­ló­gicos. E acres­cento eu: a que tão ad­versos são os em­pre­sá­rios cá do burgo.
Como con­sequência disto - se­gundo um go­ver­nante chinês pre­sente em Davos, e não obs­tante os cres­ci­mentos su­pe­ri­ores a 9% por ano re­gis­tados no seu país, na­quela «vasta bacia de mão de obra de mais de 800 mi­lhões» (sic) – e vejam lá, se in­cluirmos a Índia -, está-se longe de criar o em­prego ne­ces­sário a um con­tin­gente tão grande de tra­ba­lha­dores. Que cada vez maior exér­cito de re­serva!
Jun­tava a Se­cre­tária de Es­tado norte-ame­ri­cana do Tra­balho que «o de­safio maior é o in­ves­ti­mento em ca­pital hu­mano (sic). Hoje em dia 80% dos novos postos de tra­balho exigem uma certa com­pre­ensão do fun­ci­o­na­mento dos com­pu­ta­dores». Digo eu: não só não se criam, a nível mun­dial - quanto mais no nosso País -, postos de tra­balho se­quer apro­xi­mando as ne­ces­si­dades, como a imensa mai­oria dos novos ori­entam-se para um pa­drão de bai­xís­sima«“in­ten­si­dade de mão de obra».
Agora, olhando para os nú­meros mun­diais de evo­lução do em­prego apre­sen­tados em Davos, os quais sus­tentam a ex­pli­cação de tais ten­dên­cias, pode ve­ri­ficar-se que, não obs­tante o cres­ci­mento eco­nó­mico ele­vado que o mundo re­gistou no úl­timo quarto sé­culo, e segue re­gis­tando - o que acon­tece na Eu­ropa e, em par­ti­cular, em Por­tugal, pa­rece des­menti-lo, mas trata-se de es­pe­ci­fi­ci­dades deste canto que é a União Eu­ro­peia - e o nosso País nem o me­díocre cres­ci­mento desta Re­gião con­segue al­cançar -, por­tanto, olhando para os nú­meros mun­diais, ve­ri­fi­camos que, a par de um ele­vado e per­sis­tente cres­ci­mento eco­nó­mico, se re­gista um de­sa­ce­lerar do cres­ci­mento de postos de tra­balho - de um valor da ordem de 2% nos anos 80 já se tinha pas­sado para menos de 1.5% em 2003. Não foram dis­po­ni­bi­li­zados va­lores para os dois úl­timos anos, mas é de supor que a des­cida da taxa de cres­ci­mento de em­prego foi con­ti­nu­ando. Claro, dirão os mais op­ti­mistas, mesmo assim desde 1980 até 2003 passou-se de 2 bi­liões para um pouco mais de 3 bi­liões de em­pregos.
Sim, mas que fazer, quando é a pro­cura sol­vente que sus­tenta a massa de re­a­li­zação da oferta e sa­bendo-se que é esta que gera um em­prego já in­su­fi­ci­ente? Será que os po­deres [ca­pi­ta­listas] deste mundo ma­gicam num ajuste global por via da morte à fome? Sobre isto, nada terá sido dito.


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